O Beijaço dos Setentões
Publicação: 2015-07-07 00:00:00 | Comentários: 0
Marcius Cortez
publicitário e escritor
Villa-Lobos, fazendo careta no espelho dizia: “devo estar ficando velho porque já não me vaiam como na Semana de 22 em Sum Paulo”. O nosso músico maior, por certo, andava pensando em criar uma trilha sonora para a adolescência que costuma chegar junto com a idade de setenta anos. Foi o que pensei olhando para as pessoas com os quais eu dividia a festa de aniversário da minha prima Vanda, ali naquele salão de recepções da Avenida Antoine Saint-Exupéry, em Natal. Afastei desde logo se as pessoas eram feias ou bonitas, ricas ou pobres, bem conservadas ou envelhecidas, pretas ou brancas, gordas ou magras, reacionárias ou revolucionárias, religiosas ou ateias, cabeludas ou carecas, normais ou “doidinhas”, modernamente digitais ou primitivamente dinossauros. Eu me encontrava no meio de uma floresta chamada confraternização e foi ficando cada vez melhor a sensação que eu fazia parte de um grande cordão onde cabia tudo.
A entrada pertence a todos. Era o que parecia transmitir a nova setentona em seu vestido azul Klein personificando, em grande estilo, a “elegância discreta das coisas belas”. Vanda Cortez compartilhava sua vida nas fotos de seu álbum de família projetadas na parede. Em algumas das imagens, destacava-se a presença da mãe Anita Andrade e do pai João Alfredo Pegado Cortez, conhecido em toda Natal como o Conde de Miramonte, o dono do castelo branco do bairro do Tirol. Turbilhão de emoções era a nuvem que pairava sobre os convidados. Nossa, como se conversou! Uma hora, no auge da excitação, eu me pus a falar de tia Julinha a me dizer lá em Eindhoven, cidade holandesa, perto de Amsterdam: “meu sobrinho, hoje eu vou lhe apresentar o típico domingo da família neerlandesa” e me levou para uma sauna em um clube elegante. Distintas senhoras, circunspectos senhores, gente idosa e crianças, muitas crianças circulavam por aqueles cômodos espaçosos e brancos. Titia e eu entramos no bar. Sofás e poltronas confortáveis, luz boa para leitura, temperatura ideal, alguns liam enquanto bebericavam, outros batiam papo enquanto também bebericavam. Detalhe importante: todo mundo estava pelado, eu envergava o meu estiloso traje pai-Adão enquanto Júlia Cortez mostrava-se impecável, desfilando sua porção Eva sem a folha de parreira. Incrédulo, meu primo Ezequias ria ainda duvidando, mas meu outro primo, Felipe Henrique confirmou que a mãe também o apresentara ao domingo da família holandesa.
Lá para tantas, a aniversariante, ao microfone, disse palavras comovidas aos amigos e parentes. Outras pessoas também falaram. Minha irmã Dra. Cristina Cortez Fittipaldi declarou que Vanda é simples, mas não é simplória. Lembrei-me de alguns mestres do colunismo social potiguar, entre eles, Jota Epifânio, Paulo Macedo, o pioneiro Gil Brás que graças ao seu “tempo de festas” logo perceberiam que o aniversário de Vanda Augusta seguia a fluência da água de um córrego alegre. Serena, Ieda Pessoa, que foi casada com meu tio Alfredo, sublinhava a sintonia do encontro com o romântico olhar de poeta de 92 anos.
Para completar, ontem sonhei que na próxima encarnação, terei o prazer de reviver a festa da Vandinha. No sonho, com todo o respeito e no clima dominical da família holandesa, todos os convidados se abraçariam num afetuoso beijaço. De bocas apaixonadas, de mãos dadas, do mesmo jeito que os jovens do nosso país estão fazendo hoje. Nos clubes, nas ruas, nos corredores das escolas, nos shoppings, nos cinemas, nas praças, a juventude nos brinda com a conquista mais civilizada do Brasil atual: homens, mulheres, mulheres, homens se beijam a toda hora. Gloriosamente, o amor deixou de ser visto como ameaça.
(Esta crônica é dedicada ao cartunista Laerte Coutinho).
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